sábado, 16 de junho de 2007

O riso como correção dos vícios sociais: Características abordadas em obras de Gil Vicente e Ariano Suassuna

por Robson Melo
Jacirene Souza
Graça Damasceno



Gil Vicente, poeta humanista, em sua obra “O Auto da Barca do Inferno” denuncia as irregularidades institucionais e aos vícios sociais. É evidente a intenção do autor em mostrar de forma satírica e despojada os grandes vícios humanos. A maneira para isso, denota nas personagens (almas) que se apresentam no porto em busca do transporte para o outro lado, na visão católica e platônica de céu e inferno.
A peça tem finalidade tanto de entretenimento quanto de instruir no sentido moralizador. É escrita em versos, ou seja, é poética dotada de versos redondilhos (maior ou menor) de origem popular e medieval.
O Auto da Barca do Inferno acontece em um ancoradouro, na qual o barqueiro do céu e do inferno espera, à margem, os condenados e os merecedores da glória divina. Aqueles que morrem são julgados pelo diabo e pelo anjo, sendo só este, capaz de absolvê-los. No caso do Fidalgo (representante da nobreza) apresenta-se com uma roupagem exagerada, típica de seu status social e se o diabo vê nas condições de levá-lo para a sua barca por ele ter tido uma vida de pecados e regalias. Nota-se aí, a crítica que o autor faz à nobreza e aos defeitos humanos.
Também podemos analisar os vícios humanos na passagem do onzeneiro (agiota), o sapateiro, o frade – e sua amante – considerado um mau-caráter, a alcoviteira Brísida Vaz (cafetina e bruxa), o judeu, o corregedor (juiz), o procurador e o enforcado. Todos são condenados ao inferno por seus pecados. Somente o parvo, sem malícia e muito humilde junto aos cavaleiros – estes sequer foram acusados, pois morreram em nome de Jesus Cristo – é que são absolvidos.
O personagem de cunha importância na crítica de Gil é a figura do diabo, este conhece vigorosamente a arte de persuadir, é rápido no ataque, retruca, argumenta e adentra nas consciências humanas, denunciando os vícios e fraquezas.
Semelhante à obra escrita de Gil Vicente, temos “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna, que chegou ao cinema na versão de Miguel Arraes, Adriana Falcão e João Falcão. O filme foi realizado no sertão nordestino, fazendo um paralelo dos anos 30 à idade média. Os personagens possuem características iguais e/ou parecidas com os de Gil. É dotado de pecados , mas diferentes. No primeiro há um motivo e uma causa convincente para tais defeitos. Como no caso da personagem de Matheus Nachtergalle (João Grilo) – nordestino sabido que luta pela sobrevivência no sertão enganando a todos, ao lado de Chico, seu companheiro de estrada.
Há também a mulher adúltera, o bispo e o padre, o padeiro e outros, no qual depois de mortos são dirigidos para o juízo final, na presença de Jesus Cristo, o diabo e a Compadecida que intercede por todos a pedido de João Grilo, um dos julgados. A esses são dados uma chance de se redimir de seus erros (levados ao purgatório, de acordo com o catolicismo), pois pecavam, não porque gostavam, mas por conseqüência do destino. Severino de Aracajú, por exemplo, assassinou várias pessoas, porém foi perdoado em decorrência de sua trágica infância.
Ambas as obras dirigem-se, de maneira crítica, às mazelas sociais, seus vícios e costumes. Valem-se da comicidade, cheia de ironias e metáforas, e uma linguagem coloquial na obtenção de atingir todas as camadas sociais. O que difere uma obra da outra, além do tempo, é a justificativa para os pecados cometidos – falo da peça de Ariano Suassuna.
É interessante também observar que a obra de Gil, escrita séculos atrás, denuncia os mesmos ou semelhantes vícios sociais vividos na Idade Média. Isso nos leva a concluir que mudam-se os tempos e as vontades, mas os vícios continuam os mesmos.

robsonh_melo@yahoo.com.br

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